ESTABELECIMENTOS REGISTRADOS

PROFISSIONAIS INSCRITOS ATIVOS

Parecer DJ

 

São Paulo, 23 de setembro de 2013.

 

 

Consulta-nos a Diretoria do CRF-SP acerca da necessidade da presença de profissional farmacêutico, provendo a devida assistência, nos estabelecimentos prisionais.

 

A Constituição Federal, em seus artigos 6º e 196, ao afirmar que a saúde é direito de qualquer pessoa, impôs uma determinação ao Estado, para que a implementasse em todos os níveis sociais, mediante políticas estatais que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

 

E um dos meios para se prover tal direito e alcançar o objetivo imposto é a promoção da Assistência Farmacêutica.

 

Com efeito, a Assistência Farmacêutica, em consonância com a definição contida no site do Ministério da Saúde[1], reúne um conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, individual e coletiva, tendo como insumo essencial os medicamentos, por meio da viabilização do acesso a estes, assim como de seu uso racional.

 

Nesse contexto, o Farmacêutico assume papel de vital importância, eis que responsável pela seleção, programação, aquisição, distribuição, dispensação, acompanhamento e avaliação.

 

Muitas vezes, quando se fala em acesso aos medicamentos, o pensamento que surge é simplório e diz respeito tão somente à sua entrega aos pacientes.

 

Urge ressaltar, todavia, que não se trata apenas disso, mas sim de promover a conservação dos medicamentos; seu uso racional e seguro; destiná-los a uma finalidade específica, na dosagem correta, pelo tempo que for necessário; orientar e zelar para que não ocorram interações com outros medicamentos, que podem reduzir a sua eficácia e, inclusive, levar o paciente ao óbito.

 

Nesse sentido foi o entendimento do eminente ex-Ministro da Saúde, Sr. José Gomes Temporão, ao afirmar, em Nota Técnica Conjunta sobre a “Qualificação da Assistência Farmacêutica”, ipsis litteris:

 

(...) Portanto, a inserção do profissional farmacêutico (no sistema de saúde) passa a ser uma necessidade e o seu papel, enquanto profissional responsável pelo uso racional e resolutivo dos medicamentos, assume caráter fundamental para atenção à saúde, entendida em toda a extensão do princípio de integralidade das ações de saúde. [2]

Ato contínuo, venerando o tratamento isonômico, os presidiários são sujeitos destes mesmos direitos suscitados até então.

 

O artigo 5º, caput, e incisos I e XLIX, da Constituição Federal, consigna que todos são iguais perante a lei, em direitos e obrigações, assegurados aos presos o respeito à integridade física e moral.

 

Já o artigo 3º, inciso IV, da Carta impõe como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

Por sua vez, a Lei de Execução Penal (Lei Federal nº 7.210, de 11 de julho de 1984) também dispõe expressamente acerca da necessidade de assistência à saúde do preso de forma adequada (artigo 41, inciso VII), o que engloba, logicamente, a Assistência Farmacêutica, conforme artigo 14, litteratim:

 

Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.

 

Diante disso, vislumbra-se a essencialidade do profissional farmacêutico nos estabelecimentos prisionais, cuja atribuição é promover o acesso e a dispensação dos medicamentos de forma racional e adequada, acompanhando e avaliando sua utilização, com vistas à obtenção de resultados concretos para a melhoria da qualidade de vida dos presidiários.

 

Nesse diapasão é a Resolução nº 663, do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, a qual aprova as regras mínimas para o tratamento de reclusos, e consigna em seu artigo 22, item 2, a necessidade de profissional farmacêutico, in verbis:

 

22.

(...)
2) Os reclusos doentes que necessitem de cuidados especializados devem ser transferidos para estabelecimentos especializados ou para hospitais civis. Quando o tratamento hospitalar é organizado no estabelecimento este deve dispor de instalações, material e produtos farmacêuticos que permitam prestar aos reclusos doentes os cuidados e o tratamento adequados; o pessoal deve ter uma formação profissional suficiente.

 

Importa frisar que não há se falar em inaplicabilidade da referida Resolução, tendo em vista que o Brasil, atualmente, integra este Conselho, cujo mandato, que se iniciou em janeiro de 2012, vigerá até o final do ano de 2014, além de que os direitos fundamentais possuem aplicabilidade imediata, a teor do artigo 5º, §1º, da Constituição Federal.

 

E, como já exaustivamente visto, o profissional com formação suficiente e competente para prover a Assistência e dispensar medicamentos é o Farmacêutico.

A título elucidativo, a dispensação de medicamentos, de acordo com o conceito trazido pelo artigo 4º, inciso XV, da Lei Federal nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, consiste no ato de fornecer medicamentos, a título remunerado ou não. Assim, chega-se a mais uma conclusão: a gratuidade ou não do fornecimento é irrelevante; o ponto primordial para determinarmos a necessidade ou não do farmacêutico consistirá na existência ou não de dispensação no local.

O Decreto nº 85.878, de 07 de abril de 1981, define as atribuições do profissional farmacêutico e exige a sua presença em qualquer local que ocorra dispensação de medicamento, in verbis:

Art. 1º - São atribuições privativas dos profissionais farmacêuticos:

 

I – desempenho de funções de dispensação ou manipulação de fórmulas magistrais e farmacopéias, quando a serviço do público em geral ou mesmo de natureza privada;

 

II – assessoramento e responsabilidade técnica em:

(...)

d) depósitos de produtos farmacêuticos de qualquer natureza.

 

Esta dispensação deverá ocorrer somente nos estabelecimentos elencados no artigo 6º da Lei nº 5.991/73, in verbis:

 

Art. 6 – A dispensação de medicamentos é privativa de:

 

a)   farmácia;

                                         b)drogaria;
                                         c)posto de medicamento e unidade volante;
                                         d)dispensário de medicamentos.

 

Importante mencionar o significado da expressão dispensação de medicamentos, definido pelo inciso XIV do artigo 4º da Lei nº 5.991/73: “setor de fornecimento de medicamentos industrializados, privativo de pequena unidade hospitalar ou equivalente.

 

Sendo assim, podemos inferir que a dispensação de medicamentos é ato privativo do farmacêutico, assim como a responsabilidade técnica por depósitos de qualquer natureza (incluindo-se aí o dispensário de medicamentos, haja vista a existência de medicamentos em depósito), salientando, ainda, que a guarda de medicamentos controlados é de responsabilidade única do farmacêutico, nos termos do artigo 67 da Portaria nº 344/98 do Ministério da Saúde:

 

Art. 67 - As substâncias constantes das listas deste Regulamento Técnico e de suas atualizações, bem como os medicamentos que as contenham, existentes nos estabelecimentos, deverão ser obrigatoriamente guardados sob chave ou outro dispositivo que ofereça segurança, em local exclusivo para este fim, sob a responsabilidade do farmacêutico ou químico responsável, quando se tratar de indústria farmoquímica.

 

Portanto, em virtude de a dispensação ser um ato privativo do farmacêutico e podendo ser realizada somente nos estabelecimentos elencados no artigo 6º da Lei nº 5.991/73, e considerando que o artigo 19[3] do mesmo diploma excluiu, em rol taxativo, quais os estabelecimentos que não necessitam de responsável técnico farmacêutico, dessume-se que nos demais estabelecimentos em que ocorram dispensação (farmácia, drogaria e dispensário de medicamentos) é necessária a existência do profissional em questão.

 

E, por óbvio, isso não ocorrerá sem o fortalecimento dos recursos humanos para a Assistência Farmacêutica, ou seja, sem a contratação de profissionais farmacêuticos no âmbito das Secretarias de Saúde e Assuntos Penitenciários do Estado de São Paulo.

 

É o nosso parecer, s.m.j.

Leandro Funchal Pescuma

Advogado do CRF/SP

OAB/SP nº 315.339

 


[1] http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1000, visto em 23/09/2013.

[2] http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/nota_tecnica_qualificacao_af.pdf, acesso em 23/09/2013.

[3] Art. 19 da Lei nº 5.991/73 – Não dependerão de assistência técnica e responsabilidade profissional o posto de medicamentos, a unidade volante e o supermercado, o armazém e o empório, a loja de conveniência e a “drugstore”.

Conteúdo acessível em libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro ou Hozana. Conteúdo acessível em libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro ou Hozana.