Revista do Farmacêutico 111 - Capa

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PUBLICAÇÃO DO CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Nº 111 - ABR - MAI - JUN / 2013

Revista 111 setinha Capa

 

Arte: Ana Laura Azevedo

Para onde vai a riqueza?

Indústria e varejo farmacêutico nãoparam de crescer.No entanto, valorização não chega a um dos personagens principais: o farmacêutico

Os números na casa dos milhões e bilhões em constante ascensão são a maior prova de que o mercado farmacêutico, tanto na indústria quanto no varejo, é um dos poucos setores da economia  que tem escapado dos impactos da instabilidade financeira do mundo. Segundo a IMS Health, consultoria especializada nesse mercado, o faturamento chegou a R$ 50 bilhões em 2012, com expectativa de chegar a R$ 82 bilhões em 2017.

Se por um lado os números inserem o Brasil junto às grandes potências mundiais, por outro um dos protagonistas desse cenário, o farmacêutico, é pouco valorizado e ainda se vê com a difícil realidade de lidar com um piso salarial que pouco evoluiu ao longo dos anos se comparado com os índices do mercado. Diante do contraste, inúmeros são os entraves para que o reflexo desse desenvolvimento chegue às mãos do profissional de saúde mais próximo da população. (veja quadro pág. 37)

De acordo com a IMS Health, nesse nicho, além de Brasil, China, Rússia e Índia, também se destacam Coreia e Turquia. No Brasil, o avanço do mercado pode ser explicado pela expansão do segmento de medicamentos genéricos, responsável por 25,87% do setor em unidades vendidas, o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e as compras do Ministério da Saúde. A previsão de investimentos até 2014 está em torno de 1,5 bilhões de dólares.

Só o varejo faturou cerca de R$25 bilhões em 2012 e a expectativa é que esse valor dobre nos próximos cinco anos, de acordo com a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias, Abrafarma.

Os índices traduzem um setor em alta. Porém, enquanto em cinco anos o varejo farmacêutico cresceu 116% (R$ 11.567.944.689 em 2007 a R$ 25.066.448.864 em 2012, de acordo com a Abrafarma), o piso salarial do farmacêutico nas farmácias e drogarias atingiu a marca de 32% de aumento (R$ 1590 em 2007 a R$ 2100 em 2012). Ou seja, o retorno ao farmacêutico foi 3,6 vezes menor que o faturamento do mercado.

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Enquanto o mercado farmacêutico cresceu 116% em cinco anos, o piso salarial aumentou apenas 32%

Se não bastasse o baixo valor do piso salarial, que não condiz com a responsabilidade que lhe é implícita, grande parte dos farmacêuticos, especialmente a que atua em farmácias e drogarias, não enxerga a valorização, se vê obrigada a cumprir metas de vendas (o que é antiético) e a realizar funções cada vez mais desgastantes que o afastam do atendimento ao paciente.

Mesmo diante de um cenário negativo, com a evidente desvalorização da categoria frente ao gigantesco crescimento do setor, há que se perceber, por outro lado, que a profissão vive um momento de consolidação e de relativo avanço, se comparado com a realidade do mercado anos atrás. As inúmeras responsabilidades que passaram a ser atribuídas ao farmacêutico, muitas delas por força da legislação e regulamentações, criaram oportunidades para a qualificação e formação de profissionais especialistas nos mais diversos segmentos do mercado.

Para o dr. Salomão Kahwage, diretor de uma consultoria e treinamentos em saúde, membro da Comissão Científica e Comissão de Educação Continuada do Conselho Regional de Farmácia do Pará e gerente técnico de uma rede de drogarias, o reconhecimento profissional é diretamente proporcional à qualificação do farmacêutico para atuar neste mercado extremamente competitivo. Ele lembra que, em um passado bem recente, o farmacêutico sujeitava-se a assinar farmácias por bem menos que um salário mínimo e dedicava-se quase que exclusivamente às Análises Clínicas. “Na última década, o farmacêutico tomou seu lugar nas farmácias e drogarias e vem ocupando a cada dia funções estratégicas nas grandes empresas farmacêuticas”.

O CRF-SP discutiu em 2012 os novos rumos e a requalificação da dispensação de medicamentos. O momento é de reflexão e mudanças na área farmacêutica (Foto: Chico Ferreira / Agência Luz)
O CRF-SP discutiu em 2012 os novos rumos e a requalificação da dispensação de medicamentos. O momento é de reflexão e mudanças na área farmacêutica (Foto: Chico Ferreira / Agência Luz)

A análise do especialista indica ainda que existem diversos fatores que refletem e contribuem para o salário do farmacêutico, tais como a região de atuação, número de profissionais disponíveis naquela praça, qualificação e o próprio fortalecimento das entidades farmacêuticas.

“Entretanto, o farmacêutico que encontra as oportunidades neste mercado competitivo e procura desenvolver habilidades e competências específicas, cria diferenciais com maior possibilidade de acompanhar a prosperidade do varejo farmacêutico e assumir funções estratégicas nas áreas de coordenações, gerências e diretorias”, concluiu.

Participação na indústria

Se o farmacêutico do comércio varejista encontra dificuldades para participar do crescimento do mercado, em grande parte dos casos, o mesmo não acontece na indústria, pois, na avaliação do presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini, quanto melhor o desempenho do mercado, mais os profissionais do setor ampliam suas oportunidades e são valorizados.

Dr. Julio Pedroni: o farmacêutico nunca deve estar na zona de conforto, deve estar sempre atento às mudanças do mercado (Foto: Arquivo Pessoal)
Dr. Julio Pedroni: o farmacêutico nunca deve estar na zona de conforto, deve estar sempre atento às mudanças do mercado (Foto: Arquivo Pessoal)

Mussolini afirma que, com o aquecimento da área, os salários também são melhores. “Hoje, na indústria, a média salarial é muito superior à média de outros setores. O crescimento do farmacêutico dentro da indústria é uma peça-chave para o negócio. Então as indústrias valorizam muito o seu farmacêutico”, reiterou.

Para o dirigente da entidade, a indústria que vende mais precisa melhorar o seu controle de qualidade, investir em desenvolvimento de produtos, novas formulações farmacêuticas e farmacodinâmica de produtos. “Todas essas áreas estão nas mãos do farmacêutico. Por exemplo, a profissão tem um ganho de importância e relevância dentro das empresas”, acrescentou.

Ele lembra os fatos históricos que impulsionaram o acesso da população brasileira aos medicamentos e que representaram considerável crescimento na produção de medicamentos, como a introdução dos genéricos, no final dos anos 90. A partir de então, segundo Mussolini, os índices de emprego e valorização salarial na indústria também acompanharam a tendência.

A estabilidade econômica dos últimos anos e a ampliação do acesso ao consumo das classes C e D também alavancou a indústria farmacêutica. “As pessoas gostam de se cuidar e estão buscando tratamentos mais eficazes e mais rápidos, procurando gastar menos”, disse.

Farmácias independentes

Apesar dos excelentes índices de crescimento do mercado varejista, as grandes redes concentram e dominam a maior fatia do bolo, invertendo a situação que predominava anos atrás, quando a participação das farmácias independentes foi mais ampla.

Com o mercado farmacêutico aquecido na indústria, os salários tendem a ser maiores (Foto: Moodboard RF / Latinstock)
Com o mercado farmacêutico aquecido na indústria, os salários tendem a ser maiores (Foto: Moodboard RF / Latinstock)

Segundo estudo feito pela Brasilpar, empresa de assessoria financeira, com base em dados da IMS Health, as cinco maiores redes farmacêuticas do país foram responsáveis por R$ 14,4 bilhões do faturamento total no ano passado.

A possibilidade de as independentes concorrerem com as grandes está na adoção do conceito de farmácia como estabelecimento de saúde. Ou seja, quando o profissional, dono do próprio negócio, prioriza o processo técnico de dispensação em detrimento aos interesses comerciais.

“A grande diferença das farmácias independentes está no atendimento. Você precisa fazer um trabalho de orientação e de prestação de serviços farmacêuticos diferenciados. Sempre oriento meu pessoal que nosso diferencial tem que estar no atendimento, porque em preço fica muito difícil concorrer. Nosso atendimento precisa ser especial para cada cliente, de acordo com as necessidades de cada um e não mecanizado, como é o caso das redes”, aconselhou o dr. Julio Pedroni, coordenador da Comissão Assessora de Farmácia do CRF-SP.

A experiência pessoal do farmacêutico comprova o quanto a especialização no atendimento é vital para a sobrevivência do seu negócio.  O dr. Júlio Pedroni começou a atividade de empresário do ramo farmacêutico em 1996, na cidade de Jundiaí. Comprou uma farmácia que já existia há muitos anos e que estava decadente. De imediato, fez uma reforma e trocou o mobiliário, dando uma aparência nova e mais moderna ao estabelecimento. Essa mudança já causou um impacto positivo para os moradores da região.

Na época, ele ainda não era farmacêutico e viu a necessidade de buscar essa nova formação. Ingressou no curso de Farmácia, da USF-Bragança, e se formou em 2002. “A partir daí, comecei a colher os frutos do meu negócio. Também fiz um curso de pós-graduação em atenção farmacêutica”, afirmou.

Dr. Júlio considera que o cliente tem que sentir que o farmacêutico está interessado e preocupado em atendê-lo da melhor maneira, principalmente na orientação, porque quando precisar novamente de uma farmácia, ele vai retornar. “Outra coisa muito importante é que você nunca pode se sentir na zona de conforto, do tipo, eu estou tranquilo e as coisas estão indo bem. Tem que estar sempre atento às mudanças e às evoluções, pois quando você está atento, não perde as oportunidades.”

Farmacêuticos empreendedores

Dr. Rinaldo Ferreira: a Farma & Farma aumentou o faturamento em 21% em relação ao ano anterior (Foto: Arquivo Pessoal)
Dr. Rinaldo Ferreira: a Farma & Farma aumentou o faturamento em 21% em relação ao ano anterior (Foto: Arquivo Pessoal)

Outra opção são as franquias, que também têm mostrado seus espaços frente ao crescimento do setor varejista. Somente a franquia catarinense Farma&Farma movimentou, em 2012, R$ 148 milhões.

De acordo com o presidente da empresa, dr. Rinaldo Ferreira, a união da categoria farmacêutica em busca de melhores oportunidades de negócios foi a chave para esse sucesso, que alcançou melhor resultado que todo o mercado farmacêutico, que cresceu em 2012 entre 12 e 13%, enquanto a Farma&Farma aumentou seu faturamento em 21% em relação ao ano anterior.

“Todos os proprietários da franquia são farmacêuticos. Isso já mostra a atenção diferente na qualidade dos serviços prestados, já que as farmácias passam a ser vistas como estabelecimentos de saúde, sem deixar, no entanto, as questões administrativas de lado, como a melhoria da imagem, do fluxo de clientes dentro das farmácias e de outros aspectos que garantam lucro, pois, afinal, ela é uma empresa”, ressalta.

Mobilização dos profissionais

Na opinião do presidente do Sindicato dos Farmacêuticos, Sinfar, dr. Paulo José Teixeira, é preciso realizar uma efetiva mobilização de todos os profissionais, que devem ser mais corporativos na afirmação do papel social do farmacêutico e na luta pelas melhores condições de trabalho e remuneração. “Temos que buscar a unidade da categoria para que possamos pressionar os sindicatos patronais e garantir que os lucros auferidos pelas empresas sejam divididos com os trabalhadores, que são os responsáveis pelo sucesso das empresas. É importante também que o profissional saiba se valorizar para que seja valorizado pelo empregador.”

Atuação do CRF-SP

O CRF-SP considera que a obrigatoriedade da presença do farmacêutico somente será validada se a população entender e valorizar a atuação desse profissional no estabelecimento. Quanto maior o reconhecimento, maior será a valorização e a possibilidade de remuneração do profissional. Dentro de suas limitações legais, o Conselho não poupa esforços em divulgar à sociedade o papel do farmacêutico e a sua importância para a saúde. Empreende várias ações de comunicação, promove mais de 200 cursos e eventos de atualização e capacitação profissional (a imensa maioria gratuitos), além de publicar e difundir materiais técnicos. Todos os anos, a instituição realiza campanha publicitária com a finalidade de fortalecer a imagem e importância do farmacêutico para a sociedade.Além disso, hoje são realizadas, em todo o Estado, mais de 80 mil fiscalizações pelo CRF-SP. Isso fez com que a assistência farmacêutica nos estabelecimentos farmacêuticos saltasse, nos últimos anos, de 5% para praticamente 90%. Com essas ações, o CRF-SP cumpre seu papel principal de defesa da sociedade, além de valorizar o farmacêutico.

Ele destaca ainda que o Sinfar-SP tem buscado realizar assembleias para abordar o tema com a categoria e realizado mobilizações e passeatas para demonstrar à sociedade e aos empregadores que os salários praticados pelas empresas, em especial farmácias e drogarias, é ainda pequeno frente às responsabilidades e o grau de complexidade das atividades que o profissional desempenha neste estabelecimento.

Para o dr. Ronan Loures, Responsável Técnico por uma unidade em uma rede de drogarias, o crescimento do setor farmacêutico ainda não se reflete na profissão, mas acredita que o problema esteja relacionado principalmente a dois fatores: a profissão ainda não consegue suprir as expectativas do mercado, por falta de preparo adequado e deficiências na formação; e os profissionais ainda se sentem desmotivados pelas dificuldades enfrentadas e não se permitem buscar melhorias. “Creio que essa situação poderá mudar, mas é necessário que os profissionais se mobilizem, e não esperem que a mudança aconteça simplesmente movida pelo desejo. É preciso que haja mobilização de toda a profissão, não apenas das instituições que representam o setor.”

A grande questão para o farmacêutico é o investimento na carreira. Dr. Ronan enfatiza que, a partir do momento em que o mercado perceber que o farmacêutico é o profissional adequado e preparado para realizar diversas tarefas nos mais diversos segmentos empresariais, esse reconhecimento virá. Os farmacêuticos precisam investir mais neles mesmos, para se tornarem referência em suas áreas de atuação. “É necessário que as empresas queiram ter um farmacêutico trabalhando para que esse valor se reflita em melhores salários, condições de trabalho e oportunidades interessantes.” 

Dr. Pedro: O farmacêutico deve assumir a postura de protagonista ao promover a diferença e atrair os clientes pela competência (Foto: Divulgação / CRF-SP)
Dr. Pedro: O farmacêutico deve assumir a postura de protagonista ao promover a diferença e atrair os clientes pela competência (Foto: Divulgação / CRF-SP)

Agente da transformação

Hoje, infelizmente, muitos empresários olham o farmacêutico apenas como uma exigência legal. Estão preocupados com o volume de venda e tratam os medicamentos apenas como mercadoria. Para reforçar essa triste realidade, alguns farmacêuticos assumem um papel meramente decorativo, não se diferenciam de balconistas, gerentes e qualquer outro funcionário. Por isso, é desvalorizado e não participa do crescimento do mercado.

Uma recente pesquisa encomendada pelo Instituto de Ciência Tecnológica e Qualidade Industrial (ICTQ) e realizada pelo Datafolha Instituto de Pesquisa indicou que 80% da população brasileira considera o farmacêutico importante, mas grande parte não consegue identificá-lo no estabelecimento. “Ele não se aproveita disso, não se destaca e, por isso, as pessoas não o reconhecem. O farmacêutico se torna um pequeno detalhe numa estrutura, quando poderia se tornar a peça principal”, avaliou o presidente do CRF-SP, dr. Pedro Menegasso.

Por que o salário do farmacêutico não acompanha o crescimento do setor?
• O farmacêutico não entende as regras impostas pelo mercado
• Sofre pressão de proprietários que exigem metas de vendas, tirando o foco da parte clínica
• Não assume uma postura crítica
• Se enxerga como mero vendedor, sem a responsabilidade de um profissional de saúde
• Excesso de mão de obra em algumas regiões
• A população não valoriza o trabalho do profissional
Estratégias para mudar esse cenário
• Assumir o papel de protagonista dentro do mercado
• Se impor tecnicamente e mostrar sua importância à população e ao empregador
• Fazer a diferença no local de trabalho ao invés de ser apenas mais um funcionário 
• Procurar desenvolver habilidades e competências específicas
• Ir além da questão técnica e conhecer gestão, liderança e aspectos tributários
• Observar as lacunas que existem no mercado para se diferenciar
• Requalificar a dispensação

Segundo o presidente da entidade, o farmacêutico precisa compreender que, ao ingressar no setor farmacêutico, ele está participando de regras impostas pelo mercado. “O empresário tende a valorizar aquilo que dá retorno. Ele não vai valorizar o farmacêutico por decreto ou por uma ordem do Conselho, apenas por mérito. Isso depende muito dos próprios profissionais”, enfatizou o dr. Menegasso.

O presidente do CRF-SP entende que para mudar essa realidade é necessária a conscientização da sociedade e que o agente principal para a promoção dessa transformação é o farmacêutico, por meio de seu trabalho. Por isso, recomenda que o profissional assuma uma postura de protagonista ao promover a diferença para atrair os clientes pela sua competência, exercendo um papel de liderança no seu local de trabalho. “Provavelmente, assim, o empresário olhará para esse farmacêutico de maneira diferenciada.”

Carlos Nascimento, Mônica Neri, Renata Gonçalez e Thais Noronha

 

 

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