ESTABELECIMENTOS REGISTRADOS

PROFISSIONAIS INSCRITOS ATIVOS

Revista do Farmacêutico

PUBLICAÇÃO DO CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Nº 123 - NOV - DEZ / 2015

ORIENTAÇÃO JURÍDICA

  



Apresentação de atestado médico falso é crime

 

“Algo muitas vezes percebido como uma ‘pequena mentira’ por alguns, é, na verdade, além de infração ética-profissional, crime”

  

juridico

Em um momento de intenso debate, no qual a sociedade clama por mais ética no processo decisório de nossas instituições políticas, necessário é que voltemos nosso olhar para a conduta individual de cada cidadão.>

O termo política teve origem na Grécia Antiga e representava tudo aquilo que era relacionado à Polis: a própria cidade-Estado, a sociedade ou comunidade que a compunha, a coletividade de cidadãos, bem como outras definições referentes à vida em sociedade. Hoje, definimos política como a arte ou a ciência de dirigir ou administrar um Estado ou nação, sendo que, em um estado democrático, também é considerada como a atividade exercida por cidadãos em relação aos assuntos públicos.
Fato é que a política é intrínseca à sociedade e, por ser parte, espelha os costumes, a ética e a moral do todo, ou seja, da sociedade na qual é exercida. Vige, assim, a sabedoria popular: temos que ser a mudança que queremos no mundo.
Para o Direito, em especial na esfera penal, o termo corrupção tem significado restrito e bem definido. Quando dizemos da corrupção política, estamos, em geral, fazendo referência aos artigos 317 (Corrupção passiva - Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem) e 333 (Corrupção ativa - Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício) do Código Penal.
No campo da moral e da ética, porém, essa palavra tem significado mais amplo: corrupção é ato ou efeito de corromper ou de se corromper, deterioração, sedução, ou, ainda, depravação. É, portanto, uma alteração daquilo que seria o comportamento ou condição ideal. Considerando esse sentido, diversas são nossas corrupções cotidianas: desde o papel jogado pela janela do carro, passando pelo desrespeito quanto à reserva de vagas de estacionamento para pessoas com mobilidade reduzida, até comportamentos mais graves, que ultrapassam a barreira entre o antiético e adentram o terreno do antijurídico penal, como a apresentação de documento falso perante a Administração Pública.
Os Conselhos Federal e Regionais de Farmácia foram criados pela Lei nº 3.820/1960 para zelar pela “observância dos princípios da ética e da disciplina da classe dos que exercem atividades profissionais farmacêuticas no País”. É, portanto, função do CRF-SP e dos demais Conselhos cuidar para que a ética profissional seja mantida em seu âmbito de competência.
O exemplo acima (apresentação de documento falso perante a Administração Pública) é representativo de uma conduta que corrompe, em seu sentido amplo, diversos aspectos da vida pública: é um ato imoral, pois configura uma mentira; é antiético, pois prejudica a sociedade; e é antijurídico, pois é contrário às normas do direito.
A ética em geral se preocupa abstratamente sobre o que é correto, honesto e virtuoso. Ocorre, porém, que, com a disciplina das profissões regulamentadas, foi-se construindo um regime de regras que ditam, de forma tipificada, as infrações à ética profissional: tal conjunto de infrações evidencia, assim, o que a comunidade profissional considera ser um comportamento antiético.
A apresentação de um atestado médico falso perante o Conselho Regional de Farmácia é considerada uma conduta contrária à ética profissional, pois fere diversos deveres do profissional, como a efetiva prestação de assistência farmacêutica no local e no horário sob sua responsabilidade técnica. Assim, previu-se a referida conduta em dois artigos da Resolução nº 596/2014, que dispõe sobre o Código de Ética Farmacêutica, o Código de Processo Ético e estabelece as infrações e as regras de aplicação das sanções disciplinares:


ANEXO I - CÓDIGO DE ÉTICA FARMACÊUTICA (...) Art. 14 - É proibido ao farmacêutico: (...)
XXX - fazer uso de documento, atestado, certidão ou declaração falsos ou alterados; (...)
ANEXO III - ESTABELECE AS INFRAÇÕES E AS REGRAS DE APLICAÇÃO DAS SANÇÕES DISCIPLINARES (...)
Art. 9º - Às infrações éticas e disciplinares graves devem ser aplicadas as penas de suspensão de 3 (três) meses na primeira vez; de 6 (seis) meses na segunda vez; e de 12 meses na terceira vez, sendo elas: (...)
XII - fazer uso de documento, atestado, certidão ou declaração falsos ou alterados;


Conforme anteriormente dito, tal conduta configura, também, um ato antijurídico. O direito penal é apenas uma das faces do sistema jurídico pátrio, destinado a proteger apenas aqueles valores considerados pela sociedade como de fundamental importância (bens jurídicos).
O bem jurídico tutelado (ou seja, protegido) pelo crime de Uso de Documento Falso (previsto no artigo 304 do Código Penal) é a fé pública documental, ou seja, a confiança depositada pela sociedade em relação à veracidade dos documentos, instrumentos e papéis, públicos e privados. No caso em epígrafe, o documento em questão seria um atestado médico, cuja falsificação também é crime, tipificado no artigo 302 do Código Penal:


Falsidade de atestado médico
Art. 302 - Dar o médico, no exercício da sua profissão, atestado falso:
Pena - detenção, de um mês a um ano.
Parágrafo único - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa. (...)
Uso de documento falso
Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.


Considerando o exposto acima, podemos concluir que algo muitas vezes percebido como uma “pequena mentira” por alguns, é, na verdade, além de infração ética- profissional, crime.
Para construirmos um país melhor, liderado por instituições incorruptíveis, precisamos, antes de mais nada, mudar o comportamento social: nossos atos devem sempre ser pautados na honestidade e na retidão de conduta, pois a política tem seu nascedouro nas ações das pessoas comuns.

 

 

 

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Por dra. Natália Gomes de Almeida Gonçalves
Departamento Jurídico do CRF-SP

 

 

 

 
 
 
 
 

     

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